O homem que não vê o mar - Santa Tereza Tem
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O homem que não vê o mar

Crônica de Carlos Ferrer

A coisa mais idiota é um velho rico desperdiçar o seu tempo correndo atrás de dinheiro. Balzac, em sua obra prima Eugénie Grandet, tratou desse tema.

A usura parece aumentar à medida que o sovina envelhece, e essa é a pior doença, pois, pelo cifrão, joga-se fora um tempo que não se pode perder.

Mesmo sem herdeiros, alguns sofrem por qualquer negócio mal feito, pois, em suas cabeças grisalhas, só o lucro importa.

A doença bem que poderia ser evitada, já que, se ele morrer hoje, amanhã faz três dias para os herdeiros que irão torrar sua fortuna. Mas, ele não sabe disso, e age como um cego que só enxerga o patrimônio.

O pão-duro não aposenta nunca. Ao contrário, seu cérebro trabalha cada vez mais em busca de dividendos, enquanto a morte se aproxima.

A morte é incorruptível e não faz diferença de classe: é divina, justa e não deixa ninguém levar nada consigo.

João Pedro é um unha de fome e mora na parte mais bonita do litoral brasileiro, é muito rico e com muita sorte, já sobreviveu a dois infartos e a um AVC. Seu único lazer é a maratona diária que percorre em busca de bons negócios.

Não possui uma lancha ou jet sky, e diz que está velho para conhecer Paris ou Londres. O mesquinho não toma um bom café ou whisky, e não vai ao teatro, shows e cinema, pois acha tudo muito caro.

Diz que todo café é igual, e que a cachaça é a melhor bebida do mundo. Para ele, a tv já lhe proporciona todo o entretenimento necessário. O seu irmão, um bon-vivant, gasta para os dois, enquanto os filhos sobrevoam sua velha. carcaça como urubus que sabem que logo haverá um belo banquete.

Por não poder comprá-lo, ele não tem olhos para o mar. Ele prefere a terra, porque essa se pode comprar, assim como lojas, apartamentos, casas e carros.

Por ser um velho conhecido, o mão de vaca deverá ler esse texto. Então quero que ele e todo João que vestir a carapuça, saiba que a vida é muito curta para se viver longe do mar.

Existe mais sensibilidade em um poste, e calor em um iceberg, do que no coração de um avaro.

Belo Horizonte, 30 de maio de 2024.

*Carlos Ferrer é designer, artista plástico,
cronista e amante da literatura.

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